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24 Julho, 2023

Caso Gugu: A união de aparência e efeitos sucessórios

Antônio Augusto de Moraes Liberato, conhecido como Gugu, construiu uma carreira televisiva de sucesso nas emissoras SBT e RecordTV, atuou no cinema, lançou vários LPs e CDs, de modo a se consagrar nacionalmente e conquistar uma fortuna em bens e dinheiro. O famoso apresentador de televisão Gugu Liberato, faleceu no dia 21 de novembro de 2019, mas as brigas envolvendo o seu testamento repercutem até hoje.

Gugu e a médica Rose Mirian Souza Di Matteo viveram um romance na década de 90 e tiveram três filhos, João Augusto Liberato e as gêmeas, Sofia e Marina. Apesar de nunca terem se casado e viverem em casas separadas, Rose se identificava como companheira do apresentador. Após a sua morte, entretanto, foi revelado que Gugu vivia um relacionamento há oito anos com Thiago Salvático e o relacionamento com Rose era baseado em um contrato de coparentalidade.

A disputa pela herança de Gugu Liberato teve início quando seu testamento foi revelado, excluindo Rose di Matteo, mãe de seus filhos, como herdeira. Gugu não reconheceu Rose como sua companheira em união estável, o que a tornaria uma das beneficiárias de seus bens. No testamento, Gugu nomeou sua irmã Aparecida Liberato como inventariante do espólio e curadora de seus filhos, afirmando que eles seriam os principais beneficiários. Assim, Rose di Matteo expressou sua intenção de contestar o testamento e buscar o reconhecimento como herdeira por meio do sistema judicial e obteve uma decisão favorável na justiça, garantindo-lhe uma pensão mensal no valor de 100 mil reais. A família de Gugu recorreu da decisão judicial, argumentando que eles nunca foram um casal, mas apenas amigos que decidiram ter filhos juntos. A natureza do relacionamento e o afastamento da união estável constariam de “contrato para criação de filhos” assinado pelas partes em 2011.

A controvérsia se complica ainda mais quando o chefe de cozinha, Thiago Salvático, também apresenta uma ação judicial buscando o reconhecimento de sua união estável com Gugu Liberato. No entanto, o pedido foi negado.

Por sua vez, o conceito de união de aparência que tentamos abordar aqui refere-se a uma relação na qual duas pessoas aparentam socialmente viver em um relacionamento estável, contudo, a vida privada se distancia da imagem apresentada. Não havendo, na concretude, os elementos caracterizadores da união estável, como a convivência duradoura, pública e contínua, com o intuito de constituir uma família. Embora a legislação brasileira reconheça a união estável como uma entidade familiar com direitos e deveres específicos, a união de aparência não possui a mesma proteção legal. Dessa forma, apesar de Rose buscar reconhecimento de sua condição de herdeira, alega-se que a relação entre eles era de aparência, sem formalização legal.

O Código Civil estabelece em seu artigo 1.723:

“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Dessa forma, a despeito de o Código Civil estabelecer a convivência pública, contínua e duradoura como elementos caracterizadores da união estável, o ‘status’ que o apresentador apresentava frente a sociedade: de que formava uma casal com Rose, mãe de seus filhos, não é suficiente para definir a união. Ora, não se pode ignorar que a vida privada da pessoa pública não se confunde com a personalidade que ela assume publicamente em razão de sua profissão.

A existência ou não de união estável tem importantes efeitos referentes ao Direito Patrimonial de Família e ao Direito das Sucessões. Assim, como não está definido se o caso envolve uma união estável ou coparentalidade, não há certeza de quem são os herdeiros do apresentador. E, ainda, uma vez caracterizada a união estável, é preciso debater sobre a identificação do companheiro como herdeiro necessário ou não. De modo que, existem diferentes entendimentos em relação ao companheiro como herdeiro necessário.

A herança necessária compreende metade do valor total da herança e é obrigatoriamente destinada aos herdeiros considerados necessários, como os descendentes, ascendentes e o cônjuge. Por outro lado, a outra metade, conhecida como herança disponível, pode ser destinada a qualquer pessoa através de um testamento.

Em um cenário em que o companheiro não é equiparado ao cônjuge como herdeiro necessário, a companheira (ou companheiros) não terá direito à participação na herança, respeitando-se o testamento conforme formulado. Por outro lado, caso seja superada essa interpretação e se reconheça o companheiro como herdeiro necessário, será preciso ajustar as disposições testamentárias para incluí-los na herança, recebendo a parte que a lei lhes assegura. Se houver mais de um companheiro reconhecido como entidade familiar, a divisão da herança será realizada entre eles, conforme o estabelecido por lei.

Entre a proteção do direito dos beneficiários e a autonomia da vontade do testador, o Código Civil estabelece, no Art. 1.857, que toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. E, sabendo disso, a decisão mais recente do STJ validou o testamento deixado pelo apresentador, excluindo a ex-companheira, Rose Miriam, da relação de beneficiários dos bens por falta de comprovações suficientes da existência de união estável.

Por fim, quanto ao possível relacionamento de Gugu com Thiago Salvático, jurisprudência do STJ afirma que não poderia haver duas uniões estáveis que, coexistindo por determinado tempo, gerassem efeitos, inclusive sucessórios. O segundo relacionamento configuraria, no máximo, sociedade de fato: comprovado esforço comum, poderia haver divisão de bens (REsp 1.157.273-RN).


O litígio envolvendo o caso ainda não se encerrou e as discussões quanto à existência ou não de mais herdeiros continuam. Em vista disto, em face das complexidades e disputas que podem surgir em casos como o do apresentador Gugu Liberato, fica evidente a importância de um planejamento sucessório adequado e da formalização da união estável. O planejamento sucessório permite que a pessoa expresse suas vontades em relação à destinação de seus bens de forma clara e legalmente válida, evitando assim conflitos familiares e disputas judiciais.


CAZUZE, Gustavo Magalhães Cazuze; DE FARIA, Ana Luísa Oliveira; XIMENES, Rachel Leticia Curcio. Decisão do STJ sobre o testamento de Gugu Liberato: Reflexões sobre sucessão e reconhecimento legal. Migalhas, 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/388782/decisao-do-stj-sobre-o-testamento-de-gugu-liberato . Acesso em: 06/07/2023.

FERREIRA, Viviane. O caso Gugu e seus desafios ao direito de família e sucessões. FGV, 2020. Disponível em: https://portal.fgv.br/en/node/19036. Acesso em: 05/07/2023.

VIANA, Brenda. A herança de Gugu Liberato - A sucessão dos Companheiros. Jusbrasil, 2019. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-heranca-de-gugu-liberato-a-sucessao-dos-comp/anheiros/795049776. Acesso em: 05/07/2023.

PANISA, Patrícia. O caso Gugu Liberato: os nós jurídicos (a desatar) de uma história a ser descrita ou reescrita?. Linkedin, 2020. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/o-caso-gugu-liberato-os-n%C3%B3s-jur%C3%ADdicos-desatar-de-uma-hist%C3%B3ria-panisa/?originalSubdomain=pt. Acesso em: 05/07/2023.

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União estável e as transformações na configuração das sociedades contemporâneas / Ana Angélica Bezerra Cavalcanti ... [et al.]. – Iguatu, CE : Quipá Editora, 2022. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/716764/2/UNI%C3%83O%20EST%C3%81VEL.pdf. Acesso em: 06/07/2023.

VILAS-BÔAS, Renata Malta. Caso Gugu Liberato: quais as consequências de direito sucessório para a distinção entre união estável e co-parentalidade?. Coluna Direito da Família e Direito Sucessório. Estado de Direito, 2020. Disponível em: http://estadodedireito.com.br/caso-gugu-liberato-quais-as-consequencias-de-direito-sucessorio-para-a-distincao-entre-uniao-estavel-e-co-parentalidade/. Acesso em: 06/07/2023.

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