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15 Maio, 2023

Abandono afetivo, as implicações psicológicas, sociais para a vítima e consequentes penalidades a quem se ausentou.

O abandono afetivo é uma realidade triste e preocupante que afeta crianças e adolescentes em diversos contextos sociais. Trata-se da ausência ou negligência emocional por parte dos pais ou responsáveis, resultando em consequências psicológicas e sociais significativas para as vítimas.

O artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) estabelecem que é responsabilidade dos pais e responsáveis garantir o cuidado, a criação e a convivência familiar dos seus filhos, bem como protegê-los contra negligência, discriminação, violência e outros abusos, visando à preservação da saúde mental e emocional de crianças e adolescentes.

"Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais" (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).

Apesar de não serem obrigados a amar, os pais são obrigados a cumprir seus deveres legais, como por exemplo, assistir, criar, educar, conviver e guardar os filhos. Portanto, o abandono afetivo pode ser identificado de diversas formas e manifestado a partir da ausência de afeto aos filhos, da omissão, discriminação, falta de apoio emocional, psicológico ou social. E, é importante ressaltar ainda que o pagamento de pensão alimentícia não o isenta de seus deveres enquanto genitor. Ora, a tutela do abandono afetivo não é um bem material, mas sim sentimental.

O abandono afetivo, dessa forma, tem um impacto profundo no desenvolvimento emocional e psicológico de crianças e adolescentes. A falta de amor, apoio emocional e presença dos pais ou responsáveis pode resultar em sentimentos de rejeição, baixa autoestima, dificuldades de vinculação, ansiedade, depressão e até mesmo problemas de comportamento. Essas consequências podem acompanhar as vítimas ao longo da vida, influenciando seus relacionamentos, conquistas acadêmicas e profissionais, e comprometendo seu bem-estar geral.

Além das implicações psicológicas, o abandono afetivo também acarreta repercussões sociais para as vítimas. Crianças e adolescentes que não recebem o cuidado e o suporte emocional adequados podem apresentar dificuldades no desenvolvimento de habilidades sociais, integração escolar, formação de amizades saudáveis e participação em atividades comunitárias. Essas limitações sociais podem perpetuar o ciclo de exclusão e afetar negativamente a qualidade de vida desses indivíduos.

Assim, os responsáveis que negligenciam ou são omissos quanto ao dever geral de cuidado podem responder judicialmente, em casos de abandono afetivo comprovado, por terem causado danos morais a seus filhos. Entretanto, para ocorrer uma condenação judicial por abandono afetivo é preciso o preenchimento dos requisitos artigo 927 do Código Civil, quais sejam: o cometimento de um ato ilícito, a culpa por parte do pai/mãe, a existência de um dano (material ou moral), e um nexo de causalidade que se estabelece entre a ausência de vínculo afetivo dos pais e os danos decorrentes dessa ausência.

Desse modo, é possível concluir que o abandono dos pais deve ensejar a prática de um ato ilícito e culposo. Por conseguinte, quanto à culpabilidade, constata-se que os pais que voluntariamente e injustificadamente se omitem no seu dever de cuidado para com os filhos agem, ao mínimo, com negligência, o que preenche o requisito da culpa na responsabilidade civil subjetiva. E, ainda, no que diz respeito à análise do dano - ofensa a um interesse ou bem juridicamente protegido - há o entendimento majoritário, apesar de julgados no sentido contrário, de que o dano não pode ser presumido, este precisa ser comprovado pela vítima para que se possa identificar os prejuízos decorrentes do abandono e possibilitar o litígio. Por fim, é também necessária a comprovação do nexo de causalidade para justificar a relação direta entre o ato e o dano psicológico ou social gerado.

A ação judicial, portanto, alcançando os requisitos mencionados, pode ser proposta a qualquer momento pelo responsável da criança a até 3 anos após atingida a maioridade, de acordo com os artigos 197 e 206 do Código Civil.

Na intenção de proteger os menores quanto à abstenção de afeto dos pais, em 2021 o projeto de lei 4294/08 foi aprovado para prever legalmente no Código Civil a indenização por abandono afetivo. Ademais, foi proposto o PL 3212/2015, de autoria do Senado Federal Marcelo Crivella (PRB/RJ), que altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil, no entanto, o projeto segue em tramitação na Câmara dos Deputados.

Apesar da falta de regulamentação específica, existem muitas jurisprudências e condenações sobre o tema. Assim, o poder judiciário tem reconhecido a indenização por dano moral e a possibilidade da supressão do sobrenome paterno/materno em casos de abandono afetivo.

Além das consequências legais, é fundamental destacar a importância da conscientização e da educação para prevenir o abandono afetivo. A sociedade como um todo deve se mobilizar para promover a conscientização sobre os direitos das crianças e adolescentes e incentivar a criação de um ambiente emocionalmente saudável para seu desenvolvimento.

Fonte:

VERMELHO, Schamyr Pancieri. Análise dos pressupostos da responsabilidade civil no abandono afetivo. Consultório Jurídico, 2021. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2021-jul-10/pancieri-pressupostos-responsabilidade-abandono-afetivo#:~:text=Para%20falar%20em%20condena%C3%A7%C3%A3o%20por,aus%C3%AAncia%20de%20v%C3%ADnculo%20afetivo%20dos. Acesso em: 12/05/2023.

ACS. Abandono Afetivo. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, 2019. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/abandono-afetivo. Acesso em: 12/05/2023.

BRASIL. PL 3212/2015. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1999535

DE TEIXEIRA, Marco Jean. Abandono afetivo: o que é e quais as consequências. Marco Jean, 2022. Disponível em: https://marcojean.com/abandono-afetivo. Acesso em: 12/05/2023.