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11 Novembro, 2020

A PROTEÇÃO DE PATRIMÔNIO NA UNIÃO ESTÁVEL

Com a superação gradual no direito brasileiro da visão tradicional sobre a família, cada vez mais se demonstrou necessário o reconhecimento e a proteção jurídica a arranjos familiares que se distinguiam da concepção típica de casamento.

A Constituição Federal de 1988, então, criou formas de entidades familiares, arranjos de pessoas que se caracterizam como famílias, mas que não são formadas a partir do casamento. Uma das entidades familiares criadas na nova ordem legal é a união estável.

O presente artigo se destina a analisar, em primeiro lugar, o que é elementarmente a união estável, entendendo os fundamentos que a embasam. Em segundo momento, debruçar-se-á sobre os requisitos e a forma de constituição de união estável. Por fim, ao final do artigo, tecer-se-á breves considerações acerca das possibilidades para a proteção patrimonial dentro do contexto d uma relação afetiva que pode vir a ser reconhecida como união estável.

1. Conceito

Para compreender o instituto da união estável, é meritório examinar inicialmente o tratamento a ele conferido pela Constituição Federal, marco jurídico que criou essa espécie de entidade familiar. Confira-se:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[…]

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Nesse sentido, apesar de ser difícil o esforço de conceituação do instituto, a união estável se apresenta como situação de fato jurídico, representada na convivência entre os companheiros, que evolui para a constituição de ato jurídico.

É dizer que a união estável, em contraste com o casamento, não nasce a partir de sua constituição formal por meio de instrumento jurídico, mas a partir de situação prática vivida pelos indivíduos de relação que, pelas características que passa a gradualmente possuir, se constitui em união estável.

Para além da forma de constituição, entretanto, não existe qualquer diferença ou hierarquia entre a união estável e o casamento. Nisso se incluem os efeitos: patrimoniais, adotando também o regime de comunhão parcial de bens como o regime geral, legal e suplementar; sucessórios, inclusive com jurisprudência significativa no sentido de elevação do companheiro à condição de herdeiro necessário; e obrigacional, a exemplo da obrigação de alimentos e de cuidado; entre outros.

Em resumo, resta evidente que o instituo da união estável surgiu, em alinhamento com o dever de proteção à família pelo Estado estabelecido no caput do art. 226 da Constituição Federal, como forma de proteção a relações familiares e afetivas que não podem ser protegidas nos moldes tradicionais do casamento. Dentro dessa perspectiva, a união estável é situação de fato que surge a partir de convivência afetiva entre os companheiros e que se desenvolve para a caracterização plena da união estável.

2. Características e constituição

Antes de se adentrar na análise detalhada dos requisitos para a constituição de união estável, deve-se mencionar que, justamente em função de sua natureza fática elevadíssima, os critérios legais para definição de união estável não têm grau elevado de precisão, e são fortemente dependentes de análise do caso concreto.

Superada essa nota preliminar, observe-se abaixo o art. 1.723 do Código Civil, que explicita os requisitos exigidos para a caracterização de união estável:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

O primeiro dos requisitos apresentados no dispositivo para que uma relação afetiva caracterize união estável é a publicidade. Nesse contexto, a relação pública não deve ser entendida como aquela ativamente publicizada, seja nas redes sociais, na mídia ou em outros meios, mas como aquela vivida de forma evidente no meio social frequentado pelos companheiros.

Por isso, se excluem do reconhecimento como união estável as relações afetivas vividas às escondidas.

A continuidade e durabilidade são o segundo requisito exigido pela lei para a constituição de união estável. Cabe aqui destacar a inexigência de prazo mínimo para que essa entidade familiar seja reconhecida, devendo a durabilidade ser averiguada na situação concreta pela ausência de efemeridade e circunstancialidade na relação.

Por fim, o terceiro requisito para a constituição de união estável é o objetivo de constituição de família, indubitavelmente o requisito mais subjetivo e impreciso dos três. Antigamente, quando a constituição de família se dava quase que exclusivamente com o objetivo de gerar filhos, a aferição desse critério era mais fácil.

Entretanto, na concepção moderna de Direito da Família, que parte da perspectiva da família eudemonista, que tem vistas não só à prole, mas também à afetividade e felicidade dos companheiros, a constatação acerca da presença ou não desse critério se torna mais difícil. Ainda assim, é possível empreender em esforço de averiguação desse objetivo comum a ambas as partes de constituição de família, mediante variados meios de prova, a fim de constatar a caracterização ou não de união estável.

3. Cuidados com a proteção patrimonial

Uma vez expostos a essência do instituto da união estável e os requisitos para a sua constituição, passa-se a tecer breves apontamentos para aqueles que têm receio com os possíveis efeitos patrimoniais que o reconhecimento de um relacionamento seu como união estável podem ter.

A primeira delas é a de que aos companheiros é possível regular as questões de ordem patrimonial em união estável conforme os seus interesses comuns. Isso se dá pelo chamado contrato de convivência, instrumento escrito particular não necessariamente averbado em cartório e que trata de questões patrimoniais ou mais de uma união estável.

Nesse documento, podem os conviventes optar por um dos regimes de bens previstos em lei, como a comunhão parcial ou a separação total de bens, ou ainda definir um molde de organização patrimonial que melhor atenda os seus interesses. Contam os companheiros com ampla liberdade, portanto, para regular a forma em que se organizará a divisão de seus bens.

Cabe destacar que apesar de um contrato dessa natureza caracterizar forte indício da existência de união estável, ele não basta por si só para constituí-la. Devem estar presentes também os demais requisitos analisados acima para que a relação afetiva se concretize enquanto união estável.

Outro apontamento importante a ser feito é acerca dos chamados contratos de namoro, assim intitulados para representar a inexistência de comprometimento que possa constituir união estável e de mescla patrimonial entre as partes do contrato. O aviso necessário é no sentido de que esse contrato não tem a força de, por si só, afastar a constituição futura de união estável, principalmente quando seguido por período longo de convivência comum.

Por fim, o comentário final que se tecerá, para aqueles que têm grandes preocupações com a proteção do patrimônio, é que a mera existência de relação afetiva não é suficiente para ensejar o reconhecimento de união estável, com as consequentes obrigações patrimoniais. Para que isso aconteça, é necessário que o patrimônio dos conviventes comecem a se mesclar, hipótese na qual pode ser prudente adotar um acordo na linha do mencionado contrato de convivência, em que os companheiros ajustam de comum entendimento qual regime de bens melhor atende às suas necessidades.

4. Conclusão

Ao longo do presente artigo, se esclareceu o que é uma união estável, quais são os requisitos para a sua constituição e pontos importantes de consideração na área de proteção patrimonial. Apesar dos possíveis efeitos patrimoniais de sua constituição causarem certa angústia, resta evidente que a união estável não precisa ser objeto de receio nessa seara, principalmente após o conhecimento mais aprofundado de sua essência e das ferramentas disponíveis para a proteção patrimonial de cada um dos companheiros.

Dal Maso Advogados

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